terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O SACRIFÍCIO DE ISAQUE


Gênesis (22.1-18)


INTRODUÇÃO


A história do quase-sacrifício de Isaque é uma das mais tocantes da Bíblia. Além da sua dimensão psicológica (o que se passava pela mente do pai, que vai sacrificar o filho, e do filho, que vai ser sacrificado), tem uma dimensão existencial profunda, com uma aguda contemporaneidade.
A cena se desenrola em função do monte Moriá, lugar em que, um milênio mais tarde o rei Davi compraria um sitio pertencente a Ornã para nele construir o templo de Jerusalém (1Crônicas 21.18). Foi neste monte onde Abraão esteve para oferecer Isaque que o rei Salomão construiu o templo que levou seu nome (2Crônicas 3.1). Atualmente, há uma mesquita no lugar que se supõe tenha ficado o altar para onde Abraão levou seu filho. Os muçulmanos crêem que foi deste monte que Maomé e seu cavalo subiram para o céu.
Estas informações ajudam a entender por que judeus e palestinos lutam renhidamente por Jerusalém, cidade sagrado para estas duas religiões.
O texto é de poucas palavras. Trata-se de uma narrativa seca, sem explicações. A Bíblia não descreve o que se passa no interior de Abraão, nem de Isaque, parceiro (não sabemos se consciente ou inconsciente) daquela "loucura".
Esta "secura" bíblica torna inesgotável o texto.

2. UM DRAMA REAL

Para termos uma visão mais clara do drama de Abraão-Isaque, o sacrifício humano, especialmente de filhos por seus pais, era uma prática comum nas religiões daquela época. Os pais podiam dispor da vida dos seus filhos para fins religiosos, sem que isto se constituísse crime. Isaque sabia disso.

1. O dilema era profundo. Isaque fôra dado a Abraão e Sara com a promessa que, por meio dele, Deus abençoaria a descendência deles e, por extensão, toda a humanidade.
Agora, Deus lhe uma ordem taxativa, sem espaço para um "não". Abraão não hesitou. A obediência da Abraão é imediata e completa. Não é a primeira que Abraão deixa sua terra. Abraão é sempre um homem disposto a mudar de cidade, se Deus determinar.
Agora, então, novamente sob a ordem de Deus, ele faz uma viagem de quatro dias, deixando sua esposa, seus parentes e seus amigos para uma viagem cuja razão não podia revelar a ninguém, simplesmente porque ia cumprir uma ordem absurda, protagonizando um sacrifício absurdo. Se Isaque morresse, a promessa de Deus não poderia ser cumprida.
Como Deus poderia fazer uma prova dessa, que parece contrariar sua própria promessa? Abraão e Sara o tiveram já velhos. Tinham rejeitado o filho de Abraão e Agar, Ismael. Sem Isaque, ficaram sozinhos. Pais sem filhos, naquela cultura, eram pais condenados ao abandono, ao desperdício dos seus bens e ao desaparecimento do nome da família na história. O nome de Abraão seria apagado. Em certo sentido, o nome de Deus também desapareceria, porque a Abraão, no período histórico, foi o primeiro a ouvir a Sua voz e prestar culto a Ele. Não ficariam sucessores da verdadeira adoração.
O filho da promessa, partindo, acabava a esperança do plano de Deus se realizar. O sentido da vida também iria junto como aquele sacrifício no monte Moriá..
Mesmo neste temor, não há em Abraão sequer uma nota de lamentação. Abraão não pede nada. Abraão não dá ordens a Deus. Apenas obedece. Ele sabia, por experiência própria, que o caminho de Deus é perfeito e que a promessa do Senhor é provada; ele é um escudo para todos os que nele confiam. (Salmo 18.30)
2. Há um outro dado, que acrescenta uma dimensão de angústia ainda maior à decisão de Abraão. Não havia a crença na ressurreição dos mortos. Estamos no alvorecer da fé. A revelação de Deus encontrava-se no amanhecer. Praticamente só no período do Novo Testamento esta crença se tornou real, pelas palavras e ações de Jesus Cristo e especialmente por Sua própria ressurreição.
Diante do fim iminente, Abraão deve ter perguntado, como alguns de nós temos feito na hora de subirmos os nossos moriás:

– O que é que Deus está querendo me dizer com isto?
3. Abraão, portanto, não estava participando de uma peça teatral. Embora não soubesse como a história iria terminar, ele se mostrou, segundo o texto bíblico, um homem disposto a ir até o fim no drama real por que passava. Portanto, ele subiu o monte para uma tragédia anunciada. Por isto, dele pôde dizer Soren Kierkegaard: "Ninguém foi tão grande quando Abraão. Quem pode compreendê-lo?"

3. A PROVA ONTEM E HOJE
Deus pôs Abraão à prova. E Abraão passou no teste, com "distinção e louvor". Abraão tirou a nota máxima.
Deus sabia que aquilo era um teste e que Abraão seria aprovado. Abraão, no entanto, deve ter tremido e tremido. Possivelmente, deve ter secretamente orado, como Jesus oraria no Getsêmani: "Pai, se for possível, passa de mim este cálice".
Deus fez um teste com Abraão. Seu objetivo era verificar se a esperança de Abraão estava no Pai ou no filho. Seria Abraão capaz de amar a Deus de todo o seu coração e com toda a sua almá? (Mateus 22.37). A prova demonstrou que Abraão vivia pela fé e na força do Espírito Santo.

3.1. Deus nos prova
Esta é uma história de poucos diálogos narrados. Quase ninguém fala. Deus fala no início e no fim. No meio, está em silêncio. Abraão só fala o essencial. É assim mesmo: na provação, experimentamos o silêncio, tanto o silêncio de Deus, quanto o nosso próprio silêncio. Deus não deve dizer nada, para que a prova aconteça; nós ficamos em silêncio porque não temos o que dizer.
A propósito, Deus não se impressiona com nossas palavras, sejam de amor a Ele ou de declaração de confiança a Ele. Deus quer mais que palavras. Deus quer que nós mudemos as nossas mentes.
Para prosseguir, precisamos responder a uma pergunta, em função da experiência de Abraão:

– Deus nos prova?
A Bíblia informa que sim. Referindo-se ao povo de Israel no caminho para a terra prometida, Deus disse: "Eu te experimentei [testei, provei] junto às águas de Meribá" (Salmo 81.7). Quem lê a história toda, registrada em Êxodo 17, sabe que Moisés/Israel, cinco séculos depois de Abraão, foi reprovado no teste.
Mais de um milênio depois de Isaque, o rei Ezequias passou também por um teste. O cronista bíblico informa que Deus permitiu que tomasse uma decisão errada e arcasse com as suas conseqüências. O autor sagrado, no entanto, acrescenta: "Deus o desamparou, para prová-lo e fazê-lo conhecer tudo o que estava no coração [do rei]" (2Crônicas 32.31).

3.2. Nossa atitude diante da prova
Qual deve ser a nossa atitude diante da prova?
Primeiramente, devemos ter claro para nós que nem todo monte de nossa vida é o Moriá. Nosso problema pode ser o monte decorrente do nosso erro de avaliação ou perspectiva. Nossa dificuldade pode ser o monte decorrente do nosso pecado.
Se estamos noutro monte que não Moriá, devemos nos voltar para Deus e acertar nossas vidas. Só assim Deus, se quiser, poderá nos levar ao verdadeiro Moriá.
Então, se Deus está nos provando, temos que nos portar como Abraão. No terceiro dia da caminhada, depois de avistar o monte do holocausto, ele disse aos adolescentes que os acompanhavam:
– Sentem-se aqui com o jumento. Eu e o adolescente iremos até lá. Nós nos prostraremos e depois retornaremos aqui.
Abraão disse que os dois, não apenas ele, mas ele e o filho, voltariam.
Pela fé, Abraão subiu ao monte. Pela fé, creu que voltaria e não voltaria sozinho. Abraão não disse essas palavras para "enganar" seus empregados, porque não precisava disso, já que era o senhor deles. Abraão não sabia o que iria acontecer. Tudo o que ele disse, ele o disse pela fé.
Em meio da prova, temos que dizer como Abraão, ao seu filho, enquanto caminhavam para a morte::

– Deus proverá.
Abraão não sabia o que, quando e como Deus iria prover. Sua resposta foi, ao mesmo tempo, uma afirmativa de fé e uma evasiva. Era como se dissesse:
– Meu filho, eu não sei. Não vamos pensar nisso agora, não. Basta a cada momento o seu mal. Agora, o que temos que fazer é subir para o holocausto.
O Abraão que disse "Nós voltaremos" e "Deus proverá" levou o filho até o alto, preparou o altar, levantou a mão e ia baixá-la para degolar o adolescente. Abraão disse o que disse pela fé; Abraão fez o que fez pela fé.
A fé que temos aqui é a fé que obedece, mesmo que não entenda. Se precisamos entender, não é fé. Se precisamos ver, não é esperança.
É assim que devemos nos portar. Em lugar de desesperar, o convite que a Bíblia nos faz é outro: confiar. Mesmo que o espinho não seja tirado de nossa carne, mesmo que a figueira não floresça, mesmo que estejamos no vale sombrio da falta de perspectiva, creiamos que Deus fará o que for melhor para nós. Essa é a dinâmica da fé.

3.3. Por que Deus prova?
Na verdade, Deus não precisa nos experimentar, porque nos conhece no fundo da alma. Assim mesmo, o Senhor prova os nossos corações (1Tessalonicenses 2.4).

1. Deus nos prova, porque nós precisamos ser experimentados, para aprendermos a viver e para termos temperada a nossa fé.
Ele faz isto conosco quando é íntimo de nós, para que fiquemos ainda mais íntimos dEle. Deus nos põe à prova para ver se estamos prontos para trilhar os Seus caminhos. A experiência do deserto por parte do povo integrava o projeto de provas do Senhor. ([Moisés disse ao povo: Então,] te lembrarás de todo o caminho pelo qual o Senhor teu Deus tem te conduzido durante estes quarenta anos no deserto, a fim de te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos. – Deuteronômio 8.2).
Abraão saiu outra pessoa daquele teste. Isaque voltou diferente do morro para onde fora morrer. O mesmo acontece hoje com quem passa pelo teste.

2. Deus nos prova para que o vejamos.
Naquele monte, Abraão viu Deus se manifestando com todo poder. Do meio do nada, surgiu um carneiro para o sacrifício. Moriá ficou conhecido como o monte de Jeová Jirê. Esta expressão pode ser traduzida como Jeová provê, mas também, alternativamente, como "Jeová verá" (como o faz André Chouraqui). Jeová viu o carneiro e o indicou a Abraão.
Quando nós O vemos, nos O conhecemos.

3. Deus nos prova para que o mundo O veja por nosso intermédio.
Nós vemos a Deus pela prova a Abraão. Por isto, ele é o pai da fé, da nossa inclusive. Por sua experiência, nós podemos também conhecer a Deus. Por nosso intermédio, o mundo pode ver Deus.

4. EIS O CORDEIRO

Se Deus nos pode pôr à prova, não devemos fazer o mesmo. Nós já provamos que Ele é bom (Salmo 34.8; 1Pedro 2.3).
O povo de Israel no deserto seguiu por este desvio, endurecendo o coração diante da palavra do Senhor, que sobre este episódio mandou escrever: Vossos pais me tentaram, me provaram e viram a minha obra. [Por isto], durante 40 anos estive irritado com aquela geração e disse: É um povo que erra de coração e não conhece os meus caminhos; por isso jurei na minha ira: Eles não entrarão no meu descanso. (Salmo 95.8-11)
A única prova que podemos fazer com Deus é experimentar as promessas da Sua palavra, como a de que abre as janelas do céu e derrama bênção sobre aqueles que são lhe são fiéis (Malaquias 3.10).
Não podemos pôr Deus à prova, já que Ele já nos deu o Seu Isaque (Jesus Filho), para que pudéssemos ser salvos. Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Logo muito mais, sendo agora justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque se nós, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida (Romanos 5.8-10).
A pergunta de Isaque ecoa na história da humanidade:
– Onde está o cordeiro?
Abraão só pôde responder: "Deus proverá". Agora, no entanto, a resposta é outra. Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1.29).
Nós somos Isaque, não o Isaque de Abraão, mas o Isaque de Deus. Deus proveu um Cordeiro para morrer em nosso lugar, para que, como Isaque, pudéssemos descer de Moriá. Ele ficou lá, para que não precisássemos ficar.
Então, o Cordeiro pergunta:
– Quem aceita o meu sacrifício?

CONCLUSÃO

Deus quer "reinar sem nenhum rival em nosso coração". Isto acontece quando "vamos onde o Espírito de Deus quer nos levar", isto é, "ao perfeito relacionamento com o Pai". Isto acontece quando O colocamos acima de todas as coisas. Isto é amar a Deus de modo completo, "com toda a nossa força e com toda a nossa alma, mente, espírito e coração". 



Fonte: Sabedoria do Alto

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